a quatro meses atrás
estava no topo de uma montanha
não lembrava como havia chegado até lá
mas me foi dito que era hora de descer
durante longas nove horas
enfrentei esse árduo caminho
com demasiado peso nas costas
carregava comigo todas as minhas conquistas
a pele do leão que matei
a carne me serviu de alimento
a pele me esquentou nas noites frias
e agora carrego-a como um troféu pela minha bravura
duas pedras, ambas em formato de coração
sendo uma mais achatada, como um coração pisado
outra mais redonda, um coração inchado
ainda não sei se foram escupidas por alguém que por ali passou
ou se foram as forças das natureza e intempéries que se encarregaram do serviço
um caderno, com anotações e desenhos
o registro subjetivo de um tempo
em que tudo era novo
e um simples olhar era motivo de encantamento
"todas as noites, depois de caminhar na montanha em busca de gravetos
atritava os dois corações de pedra até que deles saíssem faíscas
e uma singela fogueira surgia, um ponto de luz no alto"
assim estava descrito no caderno, o ritual que a mim acalentava
agora já estou embaixo
entrei num vale chamado realidade
a cada período de tempo, perco um dos objetos conquistados
"a existência deles só fazia sentido no alto da montanha"
é o que escrevo no caderno como forma de consolo
desde então, nada mais foi conquistado
nem mesmo corações de pedra
nem mesmo corações humanos
e no tempo existente entre uma perda e outra
ocupo meu corpo com o estado de inércia
um longo descanso, a espera do próximo outono
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